Gestores de um patrimônio de R$ 400 bilhões e dominados durante décadas pelo conservadorismo, os fundos de pensão estão sendo obrigados a deixar os preconceitos de lado e a se adaptarem à nova estrutura da sociedade brasileira. Se até bem pouco tempo essas fundações adequavam seus planos de benefícios para homens e mulheres que se casariam e viveriam juntos até que a morte os separasse, agora, levadas pelos ventos da modernidade, estão tendo de lidar com relações entre pessoas do mesmo sexo, aposentados que se casam com mulheres mais jovens, homens que recebem pensão das companheiras, filhos fora do casamento e até recursos da medicina, como transplantes — que alongam o tempo de vida — e mudanças de sexo.
“Não há como fecharmos os olhos para as mudanças que ocorreram na sociedade. A nossa obrigação, como gestores de fundos, é garantir que, independentemente das opções que fizeram na vida pessoal, nossos associados e os respectivos dependentes tenham os recursos que lhes garantam aposentadorias ou pensões dignas até o final de seus dias”, diz Manoel Moacir Costa Macêdo, diretor-superintendente da Ceres, o fundo dos empregados da Embrapa. “Felizmente, rompeu-se, entre os dirigentes de fundos, a visão de que as mudanças ocorridas na estrutura da sociedade eram ficção. Muito pelo contrário, estamos falando de pragmatismo, de fatos que terão cada vez mais peso na administração do patrimônio das entidades de previdência complementar”, acrescenta Macêdo.
Entre os homossexuais — estima-se que há 16 milhões no Brasil —, por exemplo, a grande maioria, até bem pouco tempo, não apontava o companheiro como beneficiário de seus planos de aposentadoria. Com isso, não havia nenhum custo adicional para as fundações. “Mas isso mudou. Está cada vez mais freqüente a indicação de pessoas do mesmo sexo como dependentes de nossos associados”, ressalta Sérgio Wilson Ferraz Fontes, presidente da Real Grandeza, o fundo dos funcionários de Furnas e Eletronuclear. “Já estamos, por sinal, pagando pensão a quatro pessoas que tiveram relacionamentos comprovados com pessoas do mesmo sexo”, afirma. A mesma Real Grandeza também paga benefícios a 12 homens indicados como beneficiários de empregadas de Furnas que morreram. “O casamento de mulheres com homens mais jovens é mais freqüente do que se pensa”, frisa Fontes.
A forma que os fundos encontraram para absorver essas mudanças foi a criação dos planos de contribuição definida (CD). Por meio desses planos, os participantes dos fundos recebem, no futuro, um benefício equivalente ao que contribuíram. Como as contas são individuais, o plano do aposentado que deixou uma viúva mais jovem pode ser revisto, para computar a expectativa de vida da beneficiária. E quanto maior for essa expectativa de vida, menor será a pensão. Pelo sistema anterior, de benefício definido (BD), ainda em vigor em muitas fundações, o custo extra com as viúvas ou os viúvos jovens eram arcados por todos os associados. Não havia como refazer as contas. “O sistema de contribuição definida é mais justo”, enfatiza Roberto Teixeira de Carvalho, presidente da Fipecq, o fundo dos empregados do Ipea, do CNPq, da Finep, do Inpa e do Inpe.
“As mudanças com as quais estamos lidando são maiores do que se pensa, pois, junto com a nova estrutura da sociedade, vieram as alterações no mercado de trabalho e a liberação da portabilidade dos planos de aposentadoria”, diz Sérgio Fontes. Ou seja, as pessoas estão mudando mais de emprego e, com a atual legislação, podem levar para outra fundação o patrimônio acumulado — isso inclui as próprias contribuições e as da empresa anterior.