O presidente da República foi posto numa situação embaraçosa pela decisão do Congresso de promover um “pacote de bondades” às vésperas das eleições de outubro, extinguindo o fator previdenciário e ofertando aos aposentados um aumento bem acima da inflação do último período – superando, inclusive, a generosa proposta do governo, também superior ao aumento do custo de vida. De um lado, o chefe de governo se vê pressionado por boa parte de sua base social (as centrais sindicais e as lideranças dos trabalhadores aposentados), que clama por um aumento real do valor das aposentadorias e pela possibilidade de uma aposentadoria precoce sem custos. Doutro lado está a Fazenda, preocupada com o controle das contas públicas, num momento em que o superaquecimento da economia brasileira ameaça a estabilidade dos preços e o aumento do endividamento abala nossa credibilidade em meio a um cenário internacional conturbado.
Em tal contexto e em prol da estabilidade que alavancou o crescimento tão benéfico à sua popularidade, o presidente se vê premido a vetar as demagógicas bondades congressuais e, assim, perder alguns pontos junto aos setores beneficiados – ao menos no curto prazo. Noticia-se, inclusive, que o comando da campanha de Dilma Rousseff pressiona o chefe de governo a manter ao menos o aumento de 7,7% para as aposentadorias, mesmo que vetando a extinção do fator previdenciário. Vale notar que as duas medidas, apesar de embaladas num mesmo pacote, são de natureza bem distinta. O reajuste acima do que o governo considera adequado ao equilíbrio das contas públicas representa pouco mais do que um típico conflito distributivo pelo gasto público – aumentando-se as aposentadorias, tem-se de cortar gastos em outros lugares, no curto prazo. Ademais, constitui uma demanda razoável daqueles que, tendo contribuído por muitos anos para a Previdência com pagamentos acima do mínimo, sofrem com a corrosão dos valores que lhe são restituídos, inferiores ao que fariam jus tendo em vista o tamanho de seus aportes. Trata-se, portanto, de demanda por justiça, a despeito dos inegáveis problemas de custeio que acarreta num cenário de escassez.
O mesmo raciocínio não vale para o fim do fator previdenciário, que embute um problema de justiça de natureza oposta. Dado o mesmo cenário de escassez, não é razoável defender que indivíduos se aposentem relativamente jovens, quando ainda apresentam plenas condições laborais, mesmo que já tenham trabalhado (e, portanto, contribuído) por muitos anos. Ora, justamente por se tratar de pessoas relativamente jovens, têm uma maior expectativa de vida pela frente e, consequentemente, receberão seus pagamentos previdenciários por mais tempo, representando uma carga mais pesada para a Previdência, comprometendo sua sustentabilidade. Noutras palavras, enquanto defender um aumento para as aposentadorias é reivindicar um direito (o de receber um pagamento justo), defender o fim do fator previdenciário é clamar por um privilégio (o de parar de trabalhar e começar a receber antes do momento justo para fazê-lo). Ao misturar direitos com privilégios, parlamentares embrulharam na perfídia o seu “pacote de bondades”.
Não surpreende que tenha sido esta a decisão dos congressistas, tendo em vista quem são eles. Uma demagogia desta monta nada mais é do que uma demonstração do perfil ignóbil da maior parte de nossa classe parlamentar. Ela se inscreve na mesma categoria de procedimento em que se inclui o mal-uso das passagens aéreas, a prática do nepotismo em suas diversas variantes, o acobertamento e a proteção aos pares que cometem ilícitos e assim por diante.