Jornal O Estado de S. Paulo diz em editorial que “Um dos problemas mais sérios que o próximo governo deve, pelo menos, começar a enfrentar é o do envelhecimento da população e suas consequências sociais e sobre as contas públicas. Um oportuno estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), coordenado pela pesquisadora Ana Amélia Camarano, toca em um tema que até agora tem sido quase um tabu: o Brasil precisa discutir a elevação da idade mínima para a aposentadoria.
Em primeiro lugar, é preciso levar em conta que, como revelou a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, a expectativa de vida do brasileiro em 2009 atingiu 73,1 anos, mais 3,1 anos em relação a 1999. Esse ganho tem preço: mesmo com o aumento do número de assalariados com carteira assinada, a Previdência Social apresentou déficit acumulado de R$ 30,7 bilhões no período janeiro-agosto, devendo superar a previsão de um rombo de R$ 45 bilhões este ano. Há outras razões a considerar. Como afirmou a coordenadora do estudo, a aposentadoria com idade mais avançada “é importante não só para a questão fiscal, como para o próprio indivíduo não sair do mercado de trabalho”.
O descompasso da legislação em relação a essa realidade é evidente. A legislação exige, para aposentadoria integral por tempo de serviço, 35 anos de contribuição para os homens e 30 anos para as mulheres, sem consideração da idade. Esse fator só é considerado para a aposentadoria proporcional, para a qual são requeridos 30 anos de trabalho, com um mínimo de 53 anos de idade para os homens e 48 anos para as mulheres. Existe também a aposentadoria por idade para os trabalhadores urbanos aos 65 anos para os homens e 60 para as mulheres, desde que tenham contribuído durante 180 meses para a Previdência. Os trabalhadores rurais podem se aposentar por idade com cinco anos a menos, para os dois sexos, desde que comprovados 180 meses de atividade no campo.
A legislação também permite que, mesmo após aposentar-se, o trabalhador continue prestando serviço à mesma empresa, embora o mais comum seja que, depois de reconhecido seu direito à inatividade remunerada, ele se desligue da empresa ou torne-se autônomo.
É flagrante o contraste com outros países. Como ressaltou o estudo, o debate na França é sobre a elevação da idade mínima para aposentadoria de 60 anos para 62 anos. Ele foi aprovado pelo Parlamento. No Japão, a idade mínima será elevada de 60 para 65 anos, a partir de 2013. No Brasil, a população idosa em atividade está em expansão, representando 11,4% da força de trabalho em 2009 em comparação com 7,9% em 1992. O fato inescapável é que, como o número de contribuintes para a Previdência Social não deve crescer no mesmo ritmo que a concessão de aposentadorias, o sistema, se não for alterado, entrará em colapso.
Isso no que se refere às relações de trabalho regidas pela CLT. Quanto aos servidores públicos, a situação é mais grave, pois a eles é garantida a aposentadoria depois de 35 anos de trabalho, com vencimentos integrais, não tendo sido criado, em âmbito federal, nenhum fundo de pensão para complemento das aposentadorias. O impacto do déficit previdenciário sobre as contas públicas pode se tornar insuportável.
Com a queda das taxas de natalidade e de mortalidade, o Ipea prevê que a população brasileira deve parar de crescer por volta de 2030, quando atingirá o pico de 206,8 milhões de pessoas. Como não é politicamente viável alterar o sistema previdenciário de uma hora para outra, mudanças graduais devem ser introduzidas de forma a prolongar o tempo de serviço ativo.
A revisão da idade de aposentadoria deve ser simultânea a uma maior valorização dos mais velhos no mercado de trabalho. Como assinala o estudo, daqui a duas décadas, a maioria dos novos empregos deverá se concentrar na faixa etária de 45 anos de idade, que será responsável por 56,3% da população ativa. Para Ana Amélia Camarano, a aposentadoria compulsória aos 70 anos, que prevalece no setor público e em algumas empresas privadas, é fruto de preconceito que a sociedade e os empregadores terão de rever”. (O Estado de S. Paulo)
As gerações mais velhas e o mundo – O aumento da expectativa de vida em todo o mundo já não é uma perspectiva problemática e distante no horizonte. O aumento descontrolado do custo das aposentadorias em alguns países europeus é fator importante na crise da dívida que, este ano, abalou a Zona do Euro.
Nos Estados Unidos, os baby boomers da primeira geração terão direito, no próximo ano, aos benefícios da Seguridade Social e da Assistência M édica para os idosos (M edicare), dando início a uma espiral de custos de duas décadas, na qual se prevê que os gastos do governo dobrarão como parcela do Produto I nterno Bruto (PI B).
Na China, onde o crescente ônus dos dependentes idosos ainda recai na maior parte sobre as famílias, o aumento da expectativa de vida está dando origem ao chamado “problema 4-2-1” – um filho cuidando de dois pais e de quatro avós.
A transformação demográfica que se observa atualmente no mundo deverá determinar desde a psicologia das empresas e a produtividade da força de trabalho até o rumo dos fluxos globais de capital. O que é mais grave: poderá fazer com que comece a ser contestada a capacidade das sociedades de proporcionar um padrão de vida digno aos idosos sem impor uma carga excessiva aos jovens.
Quais são os países mais preparados para enfrentar o problema? E quais os menos preparados? O Í ndice Global de Adequação para o Envelhecimento (GAP, na sigla em inglês), do qual somos os autores e será divulgado esta semana pelo Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, oferece uma avaliação quantitativa do progresso observado em todo o mundo para os diversos países se prepararem para o número cada vez maior de idosos, e particularmente, para as dimensões do problema da dependência destes cidadãos.
O Í ndice GAP consiste de dois subíndices separados – índice de sustentabilidade fiscal e adequação da renda, e cobre 20 países, entre desenvolvidos e emergentes. O índice tem uma notícia boa e uma má. A má é que são poucos os países em melhor posição no ranking em termos de sustentabilidade e de adequação.
Três dos sete países de maior ranking no índice de sustentabilidade fiscal (M éxico, China e Rússia) estão entre os sete de menor ranking no de adequação da renda. Quatro dos sete países de maior ranking no índice de adequação da renda (Holanda, Brasil, Alemanha e Grã-Bretanha) estão entre os sete países de menor ranking no de sustentabilidade fiscal.
Dois países – França e Itália – receberam notas que dão a ambos a menor classificação em cada índice. Ambos aprovaram leis que preveem amplos cortes da generosidade dos seus sistemas públicos de aposentadorias, ameaçando profundamente o padrão de vida dos idosos.
Entretanto, apesar dos cortes, os sistemas continuam tão dispendiosos que imporão aos jovens um ônus enorme e cada vez maior.
A boa notícia é que há exceções. A Austrália, que combina um piso de baixo custo com recursos comprovados do Estado para os idosos pobres a um amplo sistema privado de pensões obrigatório, teve um rating muito elevado em ambos os índices. O mesmo ocorre com o Chile, que adotou uma combinação semelhante de políticas referentes à aposentadoria.
Vários outros países estão claramente caminhando na direção correta. Como a França e a Itália, a Alemanha e a Suécia resolveram reduzir profundamente a futura generosidade do seu sistema estatal de aposentadorias. Mas, ao contrário da França e da I tália, deverão preencher o consequente rombo na renda dos idosos fortalecendo os fundos de pensão e elevando a idade para a aposentadoria.
Embora suas cargas fiscais continuem altas, foram bem mais reduzidas sem prejudicar a adequação. Esse contraste contém uma lição fundamental. A maioria das economias desenvolvidas terá de reduzir consideravelmente os fundos estatais para aposentadoria a fim de evitar uma catástrofe fiscal. O mesmo deverá ocorrer em algumas importantes economias em desenvolvimento, como Brasil e Coreia do Sul. Mas, a não ser que a reforma garanta também uma adequação da renda aos idosos, as reduções não se sustentarão em termos políticos.
Economizar mais e trabalhar por mais tempo são as condições cruciais de toda estratégia de reforma, porque proporcionam os maiores recursos – na realidade, os únicos recursos – destinados a preservar o padrão de vida dos aposentados sem impor um novo imposto ou um ônus familiar aos jovens.
Enquanto a maior parte do mundo ainda está se recuperando da crise econômica global que começou em 2008, muitos líderes políticos poderão chegar à conclusão de que este não é o momento mais propício para tratar do problema global do aumento da expectativa de vida. Seria um erro.
De fato, a crise econômica faz com que seja ainda mais urgente uma ação tempestiva, porque reduziu drasticamente os recursos fiscais de que a maioria dos países necessita para fazer frente aos custos dos benefícios dos aposentados, e ao mesmo tempo contribuiu para aumentar a vulnerabilidade de muitos idosos. Há também a questão crucial da confiança. O público e os mercados temem que os governos tenham perdido o controle do seu futuro fiscal.
Nesse sentido, adotar as medidas mais confiáveis para tratar da questão do aumento da expectativa de vida a longo prazo também poderá ser necessário para garantir uma recuperação no curto prazo. (Richard Jackson, Neil Howe e Keisuke Nakashima são,respectivamente, pesquisador sênior, pesquisador associado e membro do Centro de Estudos Estratégicos e I nternacionais. (O Estado de S. Paulo)